Espíritos num mundo material
Triste o dia em que o diabo inventou o dinheiro... Quem mais daria a idéia de colocar preço na arte? Fazendo isso, inconscientemente, transformamos a música, literatura, dramaturgia, e etc, numa mercadoria disposta à poeira das prateleiras das "megastores"...
Para mim, o escambo seria muito mais justo. Os compositores e músicos disponibilizariam a sua produção cultural e as pessoas lhe disponibilizariam o que viessem a produzir também... Nada mais que justo; cada um contribuiria socialmente com aquilo que soubesse fazer. Creio que a música, a literatura, o cinema, são tão essenciais à vida quanto o pão. Não é exagero, "música é alimento da alma", certo?
Enquanto vivemos e olhamos as grandes cifras grudadas em pequeninas etiquetas nas capas de CDs, a música e as demais artes vão sendo contaminadas pelo capital. Não quero parecer “radicalóide” nestas linhas, apenas quero dizer que dinheiro e arte não são os ingredientes mais indicados para estarem juntos na mesma sopa.
Qual a influência do dinheiro na música? Bem, basta sintonizar uma rádio FM e você descobrirá. Ou você ainda acredita que a mídia transmite o que o povo quer ver ou escutar? Todos os dias, a todo o momento, a indústria fonográfica tenta nos alienar pelos ouvidos. Criam segmentos e rótulos para ficar mais fácil de “bolar” as suas estratégias de marketing; criam modas e inseminam artificialmente uma dúzia de artistas de um sucesso só, para acompanhar a boiada. A porteira aberta pelo jabá é larga e essa música (geralmente de péssima qualidade) tem grande acesso às pessoas.
Não é interessante para esses empresários realizar o mesmo investimento em artistas que fazem música que force o ouvinte a usar um pouco mais do cérebro. Eles querem o sucesso imediato, a música do refrão chiclete, que traga o duplo sentido, que seja chula e descartável. Descartável porque precisam ser jogadas no lixo e esquecidas para que novas modas e canções igualmente descartáveis surjam e completem o seu ciclo de alienação. As modas e as suas péssimas canções vêm, têm o máximo de exposição, vendem até o bagaço da laranja e depois são jogadas na lata do lixo. Logo, surgem outras e outras e assim caminha a humanidade, talvez para um abismo de ignorância... um abismo com trilha sonora de novela das oito.
Já que os ventos do mercado sopram nessas rotas insalubres, é melhor não contarmos com a maré para encontrarmos boa música. Se o panorama é esse, temos de nos esforçar mais para sairmos das garras do sistema, para podermos, assim, montarmos nosso gosto musical; a liberdade é essencial nessas horas. O dinheiro dá as cartas nesse jogo, mas sempre temos um coringa na manga, que é ir contra a corrente. Acho que somente assim o público vai se educar a ter interesse pelas novidades musicais da cena independente: desfazendo os antolhos (aqueles trecos que se põe nos olhos dos cavalos para que eles vejam somente o que está à sua frente e não olhem para os lados) alienantes do mercado.
Também é triste ver artistas se moldarem para se adequarem a essa realidade suja. Eles “limpam” o som, fazem a barba e se sujeitam às regras do jogo. É bonito escutar o rock nacional da década de oitenta, apesar das horrendas baterias eletrônicas (hehehe). Naquela época, a música tinha cérebro e estimulava o povo a pensar. Boas canções, que viraram clássicos e tiveram papel cultural importante em lutas democráticas e na caracterização de uma sociedade pós-governo militar. Dizem que a diferença da década de 80 para os nosso dias atuais é que os jovens daquela época tinham algo para lutar contra. Eu não acredito que os jovens de hoje não tenham mais nada para combater... leia os jornais, veja a televisão. Acho que a situação do país hoje não é nada paradisíaca, mas não se faz mais música de protesto. Os punks viraram emos e cantam como adolescentes apaixonados para adolescentes apaixonados que assistem malhação. As suas canções são tão explosivas quanto o estouro de uma acne. Desculpem a generalização, mas nos conformamos mais uma vez com o discurso da mídia de que a luta acabou. Ao contrário, o sistema não baixou a guarda e continua alienando público e artista, com a falsa promessa do sucesso e da realização através das vias sugeridas. Valores materialistas para dias materialistas e pessoas materialistas. Somos nós, tão afundados na lama da indústria cultural que nem conseguimos escutar direito as boas coisas da vida. Oh céus, gostaria de sintonizar algo que valesse à pena nas FMs.
Enfim, é isso... Vamos quebrar as correntes e vamos ficar livres de padrões e preconceitos. Vamos ter paciência e interesse em escutar o som de bandas independentes e desconhecidas. Vamos aprender a deixar a música falar mais alto que o din din, o arame, a bufunfa...
Abraço forte! Diogo Braz*
*É membro da banda Eek, jornalista e está cantarolando agora uma cantiga do The Police